Quatro são agredidas por hora, mas ainda há subnotificação
Lei Maria da Penha
faz 6 anos e número de registros cresceu 38,7% com obrigatoriedade de aviso; em
78% dos casos, há violência física
SÃO PAULO - No ano
passado, 37.717 mulheres brasileiras entre 20 e 59 anos procuraram hospitais
públicos em busca de atendimento, após terem sido vítimas de violência e
maus-tratos no País - um crescimento de 38,7% em comparação com 2010. O
levantamento, feito pelo Ministério da Saúde, será divulgado nesta terça-feira,
7, no dia em que a Lei Maria da Penha, que pune violência doméstica, faz seis
anos.
Desde janeiro de
2011, uma resolução do Ministério da Saúde tornou compulsória a notificação
oficial de todos os casos relacionados à violência contra a mulher que fossem
atendidos na rede pública. Assim, segundo o governo, o crescimento de 38,7% não
significa necessariamente aumento nos casos de violência, mas que havia
subnotificação.
Se forem
considerados os casos de violência envolvendo todas as mulheres - desde as
menores de 1 ano até as com mais de 60 - o número chega a 70.270. Os dados
constam do Mapa da Violência 2012, realizado pelo Centro Brasileiro de Estados Latino-americanos
(Cebela) e pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).
Apesar de a
notificação no Sistema Único de Saúde (SUS) ser compulsória, os casos não são
informados nominalmente à polícia - assim, não há como afirmar quantos deles
efetivamente se transformaram em processos contra os agressores.
Segundo o ministro
da Saúde, Alexandre Padilha, o governo defende a ideia de que o documento
elaborado pelo sistema de saúde valha como prova oficial em um eventual
processo, evitando que a mulher seja exposta a constrangimento novamente ao ter
de refazer exames no Instituto Médico-Legal (IML). "Defendemos que haja um
debate em torno desse assunto, mesmo que seja necessária mudança legal. É muito
constrangedor para a mulher ter de procurar a polícia e refazer todos os
exames", avalia.
Tipos de
violência
Segundo o levantamento, as agressões físicas são
as principais formas de violência contra a mulher e representam 78,2% do total
de casos registrados. Em seguida, estão os casos de agressão psicológica
(32,2%) e violência sexual (7,5%). O levantamento mostra ainda que, do total de
casos, 38,4% são reincidentes.
A própria casa é o
principal cenário das agressões e os homens com os quais as mulheres se
relacionam ou se relacionaram (marido, ex, namorado, companheiro) são os
principais agressores e representam 41,2% dos casos. Amigos ou conhecidos são
8,1% e desconhecidos, 9,2%.
A psicóloga
Patrícia Gugliotta Jacobucci, professora da Universidade São Francisco, vê os
números com preocupação. De acordo com ela, apesar de as mulheres estarem
denunciando mais, a maioria ainda tem dificuldade em romper o laço com o
companheiro agressor - o que explica o alto número de reincidência. "A
mulher não consegue se livrar da relação conflituosa. Mesmo fazendo a queixa,
ela não rompe o ciclo da violência", diz.
Para a psicóloga,
a rede precisa se preparar não apenas para fazer o atendimento imediato dessas
mulheres, mas deve estar apta para atender a demanda psicológica. "É
preciso resgatar a autoestima dessas mulheres."
Julio Jacobo
Waiselfisz, autor do Mapa da Violência, afirma que os dados apresentados no
DataSus "ainda são só a ponta do iceberg". Waiselfisz diz que há dois
motivos para explicar a subnotificação: primeiro, os dados são de mulheres que
procuram o posto de saúde, o que significa que sofreram violência média ou
grave. "A violência cotidiana, do dia a dia, continua não sendo
comunicada", diz. Segundo, a sobrecarga de trabalho dos médicos, que podem
deixar de fazer as notificações e detalhar os quadros da vítima.
Hoje, o Brasil tem
552 serviços de atendimento às mulheres em situação de violência sexual e
doméstica. Padilha informou que o ministério vai lançar um edital de R$ 30
milhões para que as prefeituras apresentem programas e ações.
"A ideia é
que equipes de atenção básica criem estratégias para reduzir a violência e a
reincidência", afirmou o ministro.
Colaborou Bruno Paes Manso.
Fonte: reportagem de Fernanda Bassette, publicada no O Estado de S. Paulo, 06 de agosto de 2012.